Circo-teatro

A conclusão do meu doutoramento em 2009 resultou na tese Mixórdia no picadeiro - Circo, circo-teatro e circularidade cultural nas São Paulo das décadas de 1930 a 1970 (disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-14092009-180741/pt-br.php), defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Baseada nas peças de circo-teatro apresentadas no período e constantes do Arquivo Miroel Silveira, que por sua vez guarda os processos de censura do antigo Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo, revelou como esse gênero teatral foi construído durante o século 20.
O circo-teatro é uma derivação das encenações de pantomimas realizadas pelos circos no final do século 19 e nas primeiras décadas do século seguinte. A partir de 1910, por influência das peças encenadas no Circo Spinelli pelo palhaço Benjamim de Oliveira, o circo-teatro se popularizou e se transfornou na chamada "segunda parte" do espetáculo circense. A primeira apresentava os tradicionais números de habilidade física e os palhaços, enquanto a segunda parte abrigava dramas e comédias. Essa popularização fez com que os circos, a maioria de origem européia, desenvolvesse a prática de encenações e buscasse textos compatíveis com o público que frequentava seus espetáculos. No início a busca recaiu sobre os melodramas portugueses e franceses, editados em São Paulo pela Livraria Teixeira. Depois, já nos anos 1940, começaram a surgir autores entre os artistas circenses, que passaram a assinar textos a partir de adaptações e colagens de outras peças.
Nesse processo houve uma influência muito grande dos emergentes meios de comunicação de massa, especialmente o cinema e a música (rádio e disco). No entanto, esses meios, na sua formação, haviam se apropriaram bastante do discurso circense. Os primeiros cantores gravados pela Casa Edson, por exemplo, eram palhaços. Assim como os cinematógrafos fizeram parte do espetáculo circense no final do século 19.
Para analisar esse jogo de influências, a tese se ocupa de dois palhaços: Piolin (Abelardo Pinto), que foi exaltado pelos intelectuais modernistas, que dele tiraram referência para nortear a vanguarda literária brasileira; e Arrelia (Waldemar Seyssel), que levou o espetáculo tradicional de circo para a televisão.
A consequência dessa pesquisa foi resgatar a importância circense de Piolin - boa parte dos autores ressaltam somente sua proximidade com os modernistas - que está sendo o objeto do meu pós-doutorado, na própria ECA/USP, financiado com bolsa da FAPESP.
Parte desse trabalho de pesquisa é o projeto "Entre risos e lágrimas - O teatro no circo (da pantomima aos dramas)", conduzido a partir de uma parceria entre o Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura (NPCC) - Arquivo Miroel Silveira, com o Centro de Memória do Circo, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. No último trimestre de 2010 o projeto se dedicou a resgatar as chamadas "entradas circenses", pequenas cenas de palhaços até então transmitidas oralmente às gerações de palhaços. O projeto reuniu cinco mestres da palhaçaria: Picolino (Roger Avanzi), Picoly (Benedito Sbano), Xuxu (Franco Alves Monteiro), Pururuca (Brasil João Carlos Queirolo) e Pepin (Raul Hernando Robayo). Estes apresentaram suas entradas para um grupo de trinta alunos da Escola SP de Teatro e dos Doutores da Alegria. Os alunos foram ensaiados pelos mestres e, em 10 de dezembro, Dia do Palhaço, no Auditório Olino, no Largo do Paissandu, apresentaram suas versões das entradas. O evento renderá ainda uma publicação, que tem o objetivo de ser uma referência às gerações futuras de palhaços. E o projeto segue em 2011, agora resgatando as comédias circenses.